Já faz algum tempo que eu comecei a pensar bastante sobre a quantidade de vida que eu dedicava ao meu celular, fosse com a tela aberta numa rede social, num aplicativo de edição de foto, fotografando meus produtos, ou respondendo corajosamente intermináveis mensagens no whatsapp.
Há algum tempo e para ser mais precisa, uns dois anos, tive certeza que algo de muito sério começaria a acontecer se eu não me tornasse ainda mais criteriosa do que eu achava que já era. Não estava sendo suficiente e eu precisava olhar bravamente pra isso.
Sempre me considerei JOMO, sem nem mesmo saber o que esse termo significava. Pra quem nunca ouviu falar significa joy of missing out e foi uma amiga mais conectada do que eu que me apresentou. Basicamente é aquela pessoa que não sente necessidade de consumir tanto e estar por dentro de tudo. E eu me sentia assim.
Perco todos os trending topics das redes, não consumo nem recebo memes, nunca entendi o tik tok, não sou viciada em rolar feed, quase não consumo stories do instagram, não sigo um número absurdo de contas, detesto whatsapp e sou embaixadora da volta do e-mail como ferramenta de contato oficial. Mas vivo com o celular na mão, vivo com um aparelho retangular de 14 por 7 cm que acompanha meus passos, monitora minha vida, apita sem nem nenhuma vírgula de cerimónia, rouba meu tempo.
Eu sei que existem inúmeras formas de limitar o tempo como usuários, silenciar avisos, desativar notificações. Mas meu Deus, a que ponto chegamos de ter que adestrar um gadget que nós mesmos compramos, e pagamos beeem caro inclusive, como se fosse um animal selvagem que morde e nos oferece perigo?
Então um livro caiu nas minhas mãos: Falso Espelho, da Jia Tolentino. Pesco minha próxima leitura nos podcasts que ouço e quando ouvi essa indicação e fui pesquisar do que se tratava sabia que eu ia pirar. E não errei. São 9 ensaios que refletem sobre a autoilusão, numa escrita categórica e apaixonante da Jia, que eu não conhecia e já considero uma amiga de infância. E o primeiro deles é exatamente sobre esse assunto que mexe tanto comigo e que eu me senti abraçada ao ter apoio literário: “O eu na internet”. Ela escreveu tão bem embasada a com uma sensibilidade de arrepiar, que mesmo com nossa amizade ainda recente (rs), sinto que ela foi a melhor escritora do mundo para produzir um ensaio sobre esse assunto. E esse legado tem nome e está ao alcance das nossas mãos em forma de LIVRO. Tem coisa melhor?
Meu ep curtinho foi reflexivo. Depois de 50 episódios acho que você já conhece beeeem minhas inclinações pitorescas ao penso logo existo. Pincelar esse tema é fácil, gera engajamento e dá até repost. Difícil mesmo é viver na real e não se sentir rebelde por cansar de girar como hamster. Ou quem sabe abraçar essa rebeldia de peito aberto, faz bem meu tipo. O tempo sobra, a gente valoriza mais abrir um livro do que um tela, o celular volta a ser apenas um celular que pode até tocar caso alguém queira saber como estamos ou o inverso, claro. E a vida real volta a acontecer.
Seguimos tentando. Com amor, Amanda.